Tempos de quaresma, tempos pascais, tempos de viver o dia a dia, e esse é um dos convites da Campanha da Fraternidade. Ela não se esgota em um período, é um chamado, uma convocação profunda, para olharmos com atenção para nossas relações em busca da fraternidade, da sororidade, da experiência de ‘tudo está interligado’. Olhemos com atenção para o que compreendemos e como vivemos a ‘fraternidade’. São tempos de construir proximidades onde nos distraímos, tempos de resgatar relações que se percebem distantes, tempos de rever nossa forma de compreender e viver a fraternidade.
Como chega em nossos ouvidos, em nossos corações, em nosso ser, o tema da fraternidade? Pode chegar como uma premissa ética, como um convite para vivermos de forma fraterna, como um alerta para os distanciamentos e a falta de dignidade entre humanos e não humanos. Sim, é uma forma de nos aproximarmos desse tema, mas chamamos a atenção de que essa ainda é uma forma externa, que vem de fora para dentro, como alguém que nos catuca para olharmos para um lado onde não olhamos com frequência. Mas, por que será? Porque nos acostumamos a não vivermos verdadeiramente como irmãs e irmãos. Os tempos modernos criaram um conceito de pessoa como algo individual, quando, ao contrário, toda pessoa é relação, e só assim vai se tornando pessoa, em sua humanidade sempre a ser construída através das múltiplas relações.
O que significa vivermos verdadeiramente como irmãs e irmãos? Vamos refletir a partir de dois fatores: as implicações das relações fraternas e a compreensão de irmandade, a partir de nossa compreensão de família.
Se somos irmãos e irmãs, as relações de proximidade envolvem empatia, convivência, alegrias e prazeres, mas também conflitos, desencontros, defesas das causas de integridade e bem viver de cada pessoa, de cada ser, se colocar no lugar, lado a lado, comendo do mesmo pão, da mesma mesa, do mesmo chão, de dor e de prazer. A proximidade vai nos convocando a nos abrirmos para consensos, para revisões de vida e de escolhas, para o êxodo de si mesma em busca da terra prometida, desconhecida e surpreendente das alteridades. E assim, vamos também nos redescobrindo, nos reinventando, dentro e pelas relações. A fraternidade é convocação ética, de caminhar juntes, correr riscos, se envolver e assumir as causas comuns e também as que são interseccionais.
Enfim, não basta se dizer frater ou soror, não basta anunciar mais uma Campanha da Fraternidade. A fraternidade nos alcança como imperativo ético. Para muitas tradições religiosas, o humano e o não humano são revelações sagradas, o que já expressa de forma misteriosa e profunda, a fraternidade universal que a tudo e a todos conecta.
Com isso, refletimos também sobre nossa compreensão de família. Se viver como irmãs e irmãos significa ter laços consanguíneos ou de parentesco, pode ser que pensemos apenas naqueles com quem temos esses vínculos. Mas, se olharmos para os laços espirituais, sociais, econômicos, políticos, históricos, cósmicos, vamos abrir os olhos e contemplar uma grande fraternidade, uma imensa comunidade de vida, com espaços amplos de proximidade, de conexões visíveis e invisíveis.
Cada ser, cada laço, vai nos pedir cuidado, alimentação, zelo cotidiano, proximidade. Vai nos dizer que viver a fraternidade é viver em permanente estado de atenção e de mediação imediata. A compreensão de fraternidade como grande comunidade de vida vai nos ajudar a reavaliar o que pensamos sobre ser família, como afeto, como compromisso ético.
Para vivermos a fraternidade, não basta termos nascido do mesmo ventre, da mesma geração, na mesma cultura, vivermos a mesma tradição religiosa ou o mesmo contexto histórico. A fraternidade é mais do que um dado espiritual ou biológico, ela é uma experiência potente, que pede escolhas e que exige condições.
Convidamos você à dinâmica desafiante e maravilhosa da construção de laços de cuidado e compromisso ético. Convidamos à aventura provocadora de nossos ‘egos’, de sair de si e potencializar a gestação de vínculos, de nutrição diária, de caminhos pedagógicos. Convidamos a reverenciar os mediadores que sempre estiveram presentes em sua vida construindo a experiência da fraternidade universal – olhe em volta, são centenas de vidas, humanas e não humanas, de histórias, de processos. Convidamos você a se responsabilizar pessoalmente em estar atenta e também ser um mediadora. E, como mediadora e irmã, se perceber frágil, aprendiz, incerta e inconstante.
Que a fraternidade seja uma experiência de proximidade e compromisso ético, de abertura corajosa e concreta às alteridades. Sim, ela já é um dom, mas cabe a nós mesmos vivê-la de forma visível, respeitando o mistério tão profundo e delicado de cada ser, e disponível para participarmos da tessitura do mistério que a todos nós conecta e alimenta.